Como diminuir a desigualdade de gênero na Tecnologia com uma plataforma?

Karina Somers Lopes
11 min readOct 23, 2020

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A participação de mulheres no mercado de Tecnologia é muito menor que a de homens: de cada 100 vagas, 37 são preenchidas por mulheres, segundo o Caged.

Além disso, conforme dados do LinkedIn, elas se inscrevem menos nos processos seletivos (se cumprirem 100% dos requisitos, enquanto homens, 60%), e as pessoas responsáveis pelo recrutamento tem probabilidade 13% maior de abrir perfis de homens. Em média, as mulheres recebem salários 15,8% menores do que o dos homens de acordo com uma pesquisa feita pela Revelo.

Em setembro de 2020, participei do Mega Hack Women, uma maratona de desenvolvimento de ideias para solucionar problemas que durou 9 dias. Nossa solução ficou em destaque.

Havia 9 desafios disponíveis. Escolhemos o desafio patrocinado pela Vtex pela oportunidade de criar uma solução a partir do zero. Nosso desafio foi pensar em uma solução que pudesse diminuir as desigualdades de gênero na Tecnologia.

A seguir contarei como foi o nosso processo para idealizar uma plataforma utilizando o Design Sprint.

Encontramos uma oportunidade para fazer uma solução que trouxesse agilidade aos processos de contratações, talvez tão eficientes quanto as buscas ativas por profissionais no LinkedIn e as indicações que as empresas recebem. Para as candidatas, chegamos a uma solução para facilitar o desenvolvimento profissional, para que elas conquistassem a tão sonhada primeira vaga, e pensamos em uma forma de identificarem vagas e empresas interessantes.

A equipe

Todas nos conhecemos no hackathon. Nosso grupo tinha 5 profissionais no total — e recomendo muito o trabalho delas. Todo o trabalho foi remoto.

Minhas responsabilidades como UX e UI designer

  • Facilitação (sugestão de dinâmicas, processos e duração)
  • Prototipação em alta fidelidade (Figma)

O processo

Entre sábado e segunda-feira da semana seguinte, precisávamos entregar um projeto com alguma parte desenvolvida em código. Usamos o Design Sprint como base para a agenda e nos organizamos conforme a imagem abaixo.

#ParaTodosVerem Agenda que usamos no hackathon. No sábado: escolha do desafio, busca de referências, compartilhamento das referências, Matriz de Certezas, Suposições e Dúvidas. No domingo: roteiro das entrevistas individuais, perguntas para o Forms, wrap-up, mapas da empatia, desenho da jornada atual, início da ideação. Na segunda-feira: clusterização das ideias, wireframes, definição, storyboard, início da prototipação. Na terça-feira: prototipação. Na quarta-feira, prototipação, início do desenvolvimento, entrevista com o protótipo. Na quinta, sexta-feira e sábado: prototipação, desenvolvimento, apresentação, pitch da solução

Busca de referências

Buscamos mais informações sobre o problema da desigualdade, possíveis soluções e sobre a empresa que propôs o case.

Fizemos anotações e compartilhamos entre nós o que havíamos lido. Em seguida, organizamos nas categorias “certeza”, “suposições” e “dúvidas”, a fim de direcionar com quem iríamos fazer as entrevistas e quais seriam os objetivos das conversas.

Pesquisas com “experts”

Definindo o público como as empresas e as candidatas, decidimos fazer entrevistas individuais com pessoas da área de recrutamento e seleção e líderes que atuaram em contratações em Tecnologia.

Como o tempo era curto, optamos por enviar perguntas em um formulário para conhecer melhor as mulheres que trabalham ou estão procurando vagas em Tecnologia (nas áreas de desenvolvimento de software, gestão de produtos digitais, design de produtos digitais, ciência de dados, marketing digital e infraestrutura).

Objetivos do questionário com candidatas e profissionais de Tecnologia

  • Analisar se havia uma relação entre o gênero das lideranças e o apoio ao desenvolvimento da profissional
  • Entender a importância da família para a escolha profissional
  • Entender se havia relação entre o gênero das pessoas com quem teve contato no processo seletivo e a sensação de conforto/confiança
  • Saber como as profissionais preferem ser avaliadas nos processos seletivos e quais meios utilizam para buscar vagas

Os objetivos das entrevistas com as pessoas que contrataram

  • Entender as etapas dos processos seletivos e o papel das indicações
  • Conhecer as dificuldades para contratar pessoas para vagas de Tecnologia
  • Explorar diferenças nos processos seletivos com homens e mulheres

Alguns pontos que chamaram a atenção nas pesquisas com quem atuou nas contratações

Conversamos com 4 pessoas que atuaram na contratação de pessoas em Tecnologia, sendo um recrutador externo, uma recrutadora interna, uma líder de vaga e uma profissional que apoiou a contratação.

Todas tinham participado de seleções para profissionais com perfil pleno ou sênior porque a empresa não tinha tempo suficiente para capacitar alguém com pouca experiência.

“A maior parte das vagas são para seniores, porque elas são para quando você não tem tempo para despender com a sua equipe interna”

Percebemos que o LinkedIn é muito usado nos processos seletivos para fazer uma busca ativa por candidatos(as).

“Em geral a gente usava o LinkedIn e saia adicionando todo mundo. Na parte de Engenharia, às vezes, a gente adicionava 100 pessoas e duas respondiam.”

Ele é ferramenta chave quando não há pessoas suficientes se candidatando para as vagas publicadas, quando as candidaturas não estão alinhadas com o perfil, ou quando a vaga é para um perfil mais experiente.

“Quando a vaga é mais sênior, tem mais esforços na prospecção ativa.”

A indicação, quando dá certo, poupa bastante esforço e tempo no processo seletivo e, para algumas entrevistadas, foi essencial para a contratação.

“Eu indiquei duas pessoas, outro cara indicou duas e assim foi feita uma seleção entre essas quatro pessoas”

Em outros casos, a indicação é um currículo que é analisado da mesma forma que os demais.

“Já tive indicações, mas não segui em frente devido às habilidades da pessoa. Não senti que estava de acordo com a cultura da empresa”

Ouvimos algumas percepções de que as mulheres parecem mais inseguras em entrevistas.

“Os homens são muito mais articulados e seguros, mesmo às vezes não sabendo do assunto, eles enrolam mais…”

É preciso um esforço para conseguir contratar mais mulheres na área

“Se a empresa não toca no ponto de diversidade, como temos mais homens inscritos, tende a ser um homem. A gente tem empresas que dizem que tem preferência por mulheres.”

Aprendizados na pesquisa com mulheres que trabalham ou desejam trabalhar com tecnologia

Com cerca de 40 respostas no formulário preenchido pelas profissionais, 90% usam o LinkedIn para buscar oportunidades de emprego, 32% usam o Vagas.com, 30%, o Glassdoor, 15%, a Catho e 12%, o Indeed.

Para serem avaliadas no processo seletivo, 82% preferem entrevistas individuais, 47%, desafios ou cases e 40%, pelo portfolio.

60% das mulheres marcaram que se sentem mais inseguras se o processo seletivo só tem homens.

Para a sensação de apoio ao desenvolvimento após a contratação, a relação com o gênero foi baixa. A maioria dos líderes diretos são homens e as profissionais que estão trabalhando com eles consideram sua relação boa e se sentem apoiadas para se desenvolver, porém as profissionais que têm líderes mulheres deram notas um pouco maiores para a sua relação com elas e para a percepção de apoio ao desenvolvimento, também. Como não houve muitas respostas, não podemos confirmar essa conclusão.

A família não influenciou em nada ou influenciou pouco na escolha da profissão para 77% das respondentes. Essa informação faz pensar se as mulheres que optaram por outras carreiras tomaram a decisão por influência e apoio das famílias, e se haveria mais mulheres na área de Tecnologia se as famílias influenciassem.

Fluxo de contratação

Fizemos um passo a passo na visão da recrutadora, da liderança e da candidata. Depois posicionamos algumas perguntas no formato “como nós podemos”.

Colocamos nossos votos onde consideramos que estavam as maiores oportunidades (representadas pelo tracejado roxo na imagem).

Acesse o pdf para ampliar o fluxo #ParaTodosVerem Etapas do fluxo da candidata em busca do 1º emprego em Tecnologia: criação do currículo, busca vagas em vários lugares, se identifica com a vaga, se depara com vagas com muitos requisitos, se sente desmotivada e insegura, busca conhecimento em outros cursos, faz vários cases, consegue a primeira vaga. Etapas do fluxo do(a) recrutador(a) e líder da vaga: entendimento da necessidade, abertura da vaga, descrição da vaga junto com a liderança da vaga, pedir e receber indicações junto com a liderança (pode avançar para a etapa de entrevistas com a gestão da vaga), direcionamento conforme os requisitos da vaga, divulgação em plataformas e redes sociais, busca ativa no LinkedIn junto com a liderança da vaga (pode avançar para a etapa de análise técnica), pré-seleção de currículos, recebe currículos sem o perfil desejado, conversas de triagem, análise técnica dos perfis junto com a liderança, entrevistas com gestão da vaga, entrevistas finais, proposta, contratação

Acreditamos que as maiores oportunidades no fluxo da empresa estavam entre as seguintes etapas: publicação da vaga, o início da divulgação, recebimento de indicações e busca ativa, sendo que as duas últimas etapas poderiam tornar o processo mais rápido. Para a candidata, eram os momentos entre quando ela se depara com muitos requisitos nas vagas e busca mais conhecimentos.

Mapas da empatia

Mapa da empatia da candidata em busca do primeiro emprego #ParaTodosVerem O que escuta: por que é mulher é mais difícil, não desista, faça projetos para mostrar o que sabe e conseguir emprego, a vaga é para pessoas com experiência, mulher tem medo e é insegura. O que pensa e sente: preocupação com a entrada no mercado de trabalho, vou tentar aprender, incapacitação, não sou qualificada o suficiente, medo, pressão, cobrança. Vê: mercado muito competitivo, obstáculos, níveis altos de conhecimento e rejeição, vagas com muitos requisitos, Netflix, Spotify, Instagram, LinkedIn. O que fala e faz: me inscrevo para várias vagas e desisto de alguma, uso roupas descoladas e cabelos coloridos, eu não consigo, não vou expor a minha opinião. Dor: pedem requisitos demais e não tenho todos, autossabotagem, rejeição, me sinto insegura em um processo só com homens. Ganhos: conseguir uma vaga em Tecnologia, entrar no mercado e ter uma carreira de sucesso, ocupar uma vaga que me encha de orgulho, respeito, salário bom
Mapa da empatia do(a) recrutador(a) na jornada de contratação para Tecnologia #ParaTodosVerem O que escuta: precisamos inovar, você é super comunicativo(a), sabe dar conselhos e enxerga as habilidades das pessoas, o mercado tá cada vez mais competitivo. Pensa e sente: preciso equilibrar todos os pratos, não há tantas mulheres no mercado de Tecnologia, não dá para ser 50/50%, preciso encontrar a pessoa certa, gostaria que tivesse mais diversidade, quero aumentar o número de pessoas iniciantes, mas a gestão não deixa, preciso encontrar profissionais que combinem com a empresa e evoluam com ela. O que vê: concorrentes contratam os(as) melhores, muitos requisitos e poucas pessoas qualificadas, aula de meditação e yoga, bar no fds com os amigos. Fala e faz: me comunico e sou dinâmico, investe em marketing, é melhor contratar alguém com experiência. Dores: cobranças, não atingir a meta de contratações, excesso de responsabilidades, não conseguir contratar mulheres para as vagas. Ganhos: talentos alinhados ficam mais tempo na empresa, encontrar profissionais qualificados(as) e que agregam, equipes e empresa performam melhor

Ideação

Para começar, escrevemos a maior quantidade de ideias que conseguimos nos post-its virtuais (nos desafiamos a escrever 8).

Depois agrupamos as ideias que poderiam alimentar tipos de soluções diferentes: 1) uma nova forma de fazer processos seletivos que tivesse também treinamento para as mulheres, 2) uma rede social, 3) um jogo e 4) algo que evidenciasse a importância da profissional júnior no mercado.

Cada pessoa do grupo fez alguns wireframes no papel ou PowerPoint de como imaginava a solução do grupo número 1, que tinha grande quantidade de ideias relacionadas.

Nosso foco para ajudar a diminuir a desigualdade de gênero nas contratações foi apoiar as(os) recrutadoras(es) das empresas, mas também precisávamos desenhar a solução do lado da candidata para que nossa ideia se tornasse possível.

Depois, escrevemos as histórias da candidata e da recrutadora com a plataforma e quais eram os fluxos mínimos que precisavam existir na solução.

Prototipação

Usei o Figma para fazer o protótipo navegável e comecei pelas grandes áreas da nossa plataforma como recrutadora, que buscavam atender às seguintes necessidades:

  • Começar a usar a plataforma → tela de cadastro no site
  • Encontrar profissionais de uma forma rápida → fluxo para busca ativa de profissionais
  • Divulgar a vaga → fluxo para publicar uma vaga
  • Analisar os perfis e organizá-los → funil do processo seletivo
  • Ter informações para a análise dos perfis → fluxo de classificação do comportamento da pessoa entrevistada
  • Ser uma empresa atraente para possíveis candidatas → área de desafios e publicação de desafios da empresa

Para a candidata, escolhemos as seguintes necessidades para o protótipo:

  • Começar a usar a plataforma → tela de cadastro no site
  • Saber como o seu perfil é visualizado pelas empresas e poder atualizá-lo → tela de perfil
  • Ter insumos para se desenvolver profissionalmente e tornar o seu perfil mais atrativo para o mercado → área de Conteúdos (vídeos, cases e mentorias)
  • Tentar uma vaga alinhada ao que deseja → fluxo de visualização e aplicação para vagas

Teste com o protótipo e iterações

Como havia pouco tempo para o projeto, fizemos apenas uma entrevista com o protótipo. A entrevistada havia atuado como recrutadora de perfis de Tecnologia e testou o protótipo da recrutadora.

Na tela de cadastro, descobrimos que os nomes para representar os perfis de candidata e empresa não estavam claros. Por isso modificamos as opções para 1)Profissional da área de Tecnologia e 2)Empresa contratante.

Percebemos que precisávamos evoluir a explicação sobre como as candidatas estavam classificadas na plataforma, ou seja, de onde vinha essa informação, porque ela parecia ser algo inserido pela própria candidata. Assim inserimos um modal que apareceria nas primeiras vezes que a recrutadora abrisse a lista de perfis para alguma vaga.

Como a organização do processo pode ser bastante variada, havia uma oportunidade permitir a customização das etapas pela própria empresa e incluí essa possibilidade no protótipo.

Nossa solução

Navegue no protótipo neste link, ou assista ao vídeo:

Vídeo de navegação no protótipo

Confira também o vídeo pitch:

Vídeo pitch da solução

Desafios e reflexões

Foco nas usuárias e usuários (que não éramos nós)

O tema da desigualdade de gênero me afeta (e às profissionais que estavam no grupo) e foi desafiador exercitar o olhar de fora, não incluindo a mim e às meninas do grupo como as usuárias da solução.

Várias vezes, compartilhamos situações de machismo; foi difícil ter disciplina para voltar ao trabalho em vez de ficar horas conversando de forma não focada — principalmente no sábado e domingo, quando tínhamos mais tempo disponível.

Disciplina com o cronômetro

Propus uma agenda com a distribuição do tempo, mas, nas primeiras etapas do sprint, fui pouco rigorosa com o tempo. Foi na segunda-feira, quando tínhamos menos de duas horas para trabalhar juntas, que conseguimos seguir o tempo combinado, já que não havia outra alternativa, e o processo aconteceu rapidamente.

#ParaTodosVerem Etapa: Ideação. Tempo: 1 hora e 20 minutos. Continuação da dinâmica com post-its, 2 minutos para cada uma apresentar suas ideias (10 minutos). Agrupar a categorizar ideias, 20 minutos. Fazer rascunhos/wireframes (20 minutos). Apresentar wireframes, 5 minutos para cada uma apresentar (30 minutos). Etapa: Definição. Tempo: 30 minutos. Votação (10 minutos). Consolidação da ideia (20 minutos)

Wrap-ups

Com a participação de todas nas entrevistas, foi muito fácil fazer o wrap-up nos intervalos entre as conversas e todas ficaram muito alinhadas.

A versão mínima da solução não seria muito simples

Pareceu inviável o MVP (a versão mínima do produto) não incluir a candidata ou o(a) recrutador(a). Ao escolher as duas figuras, ficou difícil ganhar mais profundidade no problema e no protótipo (principalmente para a candidata) no prazo de uma semana.

Prototipação com o Figma

Usando o Figma, fiz a maioria dos elementos como componentes reutilizáveis e deixei as interações para o final, o que me ajudou na velocidade. Foram mais de 60 telas para fazer o protótipo acontecer

Em alguns lugares, usei um roxo cadastrado em um Color Style pessoal; em outros, usei o conta gotas e perdi o estilo da cor. No final, quando testei os contrastes, decidi mudar o roxo e achei que teria um trabalho manual considerável, mas consegui selecionar vários frames e identificar as cores para alterar de uma vez, mesmo sem estarem no Color Style.

Facilitação

Alguns processos elas fizeram pela primeira vez, como wireframes, mapas da empatia e condução de entrevistas, e os dominaram com muita qualidade. Conversar sobre o resultado esperado em cada uma das dinâmicas e mostrar alguns exemplos de entregáveis ajudou no alinhamento e fluidez.

Bolinhas (virtuais) para votação e o Miro foram nossos aliados para a construção em conjunto e para discutir, a cada etapa, no que achávamos importante focar.

Alguns materiais sobre a desigualdade de gênero:

Obrigada pela leitura!

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